Gerenciando as pessoas da Fazenda: Por quê a conforto, com 130 mil cabeçadas de gado, montou um departamento de recursos humanos.

Descubra como a fazenda, localizada no belo vale do Rio Araguaia, em Goiás, melhora as relações humanas que impactam a agricultura e a leva para outro patamar.

O conceito de bem-estar animal, que é baseado na ciência, sustenta que a relação entre humanos e animais é de grande complexidade nessa no campo, como ensina o grupo Etco (Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal), da Unesp (Universidade Estadual Paulista), uma das frentes mais importantes do país. Mas não é um interruptor impossível de ser ligado. Com mais de 12 mil hectares, em Nova Crixás (GO), na Fazenda Conforto está em curso uma mudança para adequar as engrenagens de bem-estar e agora, uma equipe de 150 colaboradores que administram um modelo exemplar de criação de gado em confinamento, conta com uma estrutura de RH (recursos humanos), uma divisão rara em cerca de 5 milhões de propriedades do campo do país. “Para nós, não é um simples projeto, mas uma realidade que muda a cultura da fazenda”, disse Sergio Pellizzer, vice-presidente da Fazenda Conforto. A fazenda é do empresário e ex-piloto de carros antigos Alexandre Funari Negrão, ou Xandy Negrão, que já foi dono do laboratório farmacêutico Medley, vendido para a companhia farmacêutica francesa Sanofi em 2009.

A Fazenda Conforto está localizada ao lado da rodovia estadual GO164, conhecida como “Estrada dos Bois”, por uma razão clara: a área tem DNA agropecuário. A estrada faz margem ao vale do rio Araguaia, rio que corta os estados de Goiás e Mato Grosso. É aproximadamente uma linha reta do sul do estado ao norte, na divisa com o Tocantins, próximo à ponta da Ilha do Bananal. O Vale do Rio Araguaia é uma das áreas mais fantásticas do Brasil.

A Estrada dos Bois é estendida por muitas fazendas que também são referências para a criação de gado, como Barreiro Grande, de Adir do Carmo Leonel, no melhoramento genético de Nelore; ou Nova Piratininga, que é de propriedade de Marcelo Limírio Gonçalves e é a maior estância de pecuária do país em um continuum, conhecida como “fazenda de uma única porteira”. Sobre a Conforto, é referência em engorda intensiva de gado e tecnologias de produção de insumos, como a cultura de milho irrigada com pivô.

A Conforto foi a primeira propriedade rural do país a utilizar milho floculado na alimentação animal há quase vinte anos, tornando as sementes em flocos de milho e, portanto, mais digeríveis. Essa técnica, aplicada nos Estados Unidos, ainda é encontrada em pouquíssimas fazendas pelo país, não mais que três ou quatro delas. Outro ponto marcante, a propriedade sempre foi modelo na capacitação da mão de obra: o trabalho na Conforto é sinônimo de qualificação.

Nosso próprio pessoal

Mas então, o que realmente motivou Pellizzer a organizar a divisão de recursos humanos? A resposta está adiante do que significa trabalho rural. O RH não se configura como uma extensão, mas como uma estratégia de apoio à sua liderança. E por uma justificativa muito simples: a Conforto, não é apenas uma fazenda de carne bovina, é uma produtora de carne ao ar livre. Do confinamento, com capacidade estática de 62 mil cabeças de gado, serão lançadas neste ano, em mais de dois lotes, 130 mil cabeças entre nelore e anelorados destinadas ao corte. Em 2021, foram entregues aos frigoríficos, 120 mil cabeças de gado. Para alimentar todos esses bovinos, a fazenda deve funcionar com ordem e precisão para produzir 165.000 toneladas de matéria seca (em termos técnicos, essa é a quantidade total de forragem, sem contar a umidade).

Como um bom gerente de RH, a mudança de pessoal começou há dois anos. Os investimentos em campo, em 2021, giram em torno de R$ 13 milhões, desconsiderando a distribuição de bônus das equipes, no valor de R$ 2,5 milhões. “Este ano, aprovamos um investimento de 12 milhões de reais”, anunciou Pellizzer. Desse montante, R$ 1,5 milhão será apenas para treinamentos e cursos de liderança. As mudanças foram acertadas por Negrão, que aos 68 anos ainda assume as rédeas da empresa, mas deixa a operação para seus herdeiros. “Ele vê resultados e também é fiduciário. E uma vez que ele ganhou confiança, foi fácil trabalhar com ele”, diz Pelizzer.

 

A mudança para o RH agropecuário

Com formação superior em Comunicação pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Pellizzer tomou posse na Conforto há dois anos. Por 8 anos, foi sócio-gerente da Toronto Foundation Urbe9, filial brasileira da Toronto Foundation, organização beneficente comunitária, além de sócio da Criah, consultoria de branding. “Em 2020, entrei na fazenda para entender todos os processos e métodos de trabalho, não apenas todo o negócio”, disse ele. “E nessa identificação, sinto falta de um apoio maior no desenvolvimento de pessoas, principalmente na gestão de pessoas. Desde nossos líderes, até os gerentes.”

Para colocar o projeto de RH em pauta, Pellizzer buscou no mercado um gestor, pois a composição formal de um RH não pode ser apenas nominal. A busca durou quatro meses, até que não foi encontrada um gestor, mas sim a gestora Gisèle Caleffi, que em janeiro de 2021 assumiu o cargo de gestora de pessoas e gestão. “Convidei Gisèle para ficar três dias na fazenda e naqueles dias determinei que ela era exatamente a ‘pessoa do campo’ que procurávamos”, conta Pellizer, em tom agradável. Caleffi acrescenta: “Mato mesmo, para vacinar o gado, para montar no burro, ir para o pasto”.

Ela diz que é psicóloga e iniciou sua carreira na agropecuária, ainda jovem, trabalhando na empresa Seara, hoje comandada pelo Grupo JBS, em uma unidade de corte de aves. Em seguida, à Minerva Foods, em Barretos (SP), como uma das Diretoras de Recursos Humanos Brasil Mercosul. “Saí em busca de outras experiências, mas senti falta do campo. Então combina aqui com a Conforto”, disse. No entanto, fazer o que hoje é conhecido como “RH Boiadeiro” também foi um caminho de aprendizado e vínculo.

Cláudio Braga, Gerente de Agronegócios, trabalha na Conforto há vinte anos. A fazenda foi adquirida por Negrão em 1996. Braga conhece cada canto da região e de sua história, além de ser uma das líderes em pecuária do Vale do Araguaia. “Quando cheguei, é claro, houve um choque. Durante a visita, Cláudio disse que “essa menina vai pegar a mala dela e nunca mais pisará aqui”. Então, um mês se passou e eu disse a mim mesmo: ‘Estou aqui, então vou ficar’, lembra Caleffi. Para ela, a adesão de Braga ao projeto de contratação trouxe consistência para toda a equipe entrar no jogo.

“Então, quando falamos da nossa trajetória aqui, falamos de profissionalização. Somos super técnicos e bons em engordar gado. Mas como fizemos isso nos últimos 25 anos? E o que queremos fazer nos próximos 25 anos? Porque essas pessoas que vêm ao mercado agora não vão mais querer engordar o gado como antes”, disse Caleffi.

Passo a passo dos recursos humanos boiadeiro

A organização do RH iniciou com uma pesquisa de clima, não para saber se está chovendo, mas com base na percepção do universo Conforto e seu ambiente. Foi a partir daí que, numa série de encontros, cada colaborador contribuiu para a construção dos valores da Conforto, mas também dos seus. No final do ciclo, há cinco decisões coletivas: integridade é nossa base, valorizamos nosso pessoal, a propriedade de nossa empresa, ultrapassamos barreiras e nos orgulhamos de ser Conforto.

“Quando terminamos os cinco objetivos, falei para a Gisele adicionar mais alguns elementos e ela disse que não, senão as pessoas não seriam incluídas nesse contexto. Ela estava certa, porque a construção não é de cima para baixo, mas debaixo para cima”, explicou Pellizzer. Hoje, as reuniões de equipe, para qualquer outro tema, começam com o estudo de alguns dos conceitos elencados pelo grupo. “Reconstruímos valores junto com os peões, com os líderes. Quais são os comportamentos e objetivos esperados. Hoje, os vaueiros sabem quais são seus objetivos. De certa forma, é uma cultura muito diferente do que vemos na agropecuária mais antiga”, disse Caleffi.

De fato, a Conforto está dividida em 14 “departamentos” integrados com objetivos próprios, como pecuária, gestão de operações, serviços, finanças, pessoas, gestão, entre outros. São equipes dedicadas a diferentes funções, com objetivos qualitativos e quantitativos, além de praticarem a autoavaliação e o domínio profissional. “Então o time de caldeira tem seus objetivos, os vaqueiros tem outros, todos com gestão adequada. Antes da pesquisa de clima, as pessoas não sabiam quem mandava”, disse.

A reorganização compensou a equipe. Nesse caso, toda a operação ganha até três bônus, liderança até quatro, gerência cinco e assim segue. Excluindo o conselho de administração, os salários da Conforto podem chegar a R$ 30 mil. Na pecuária, um trabalhador rural pode começar com R$ 3.200, bem acima da média da área. “E estamos adicionando cupons de alimentos e cupons de gás como um benefício adicional que não temos”, diz Pellizzer. A fazenda, à cerca de 15 minutos da cidade, também abriga 15 funcionários e 25 casas para famílias.

Com o desenvolvimento dos recursos humanos, a retenção de funcionários é reforçada. “A tendência sempre foi aumentar a produtividade. Hoje, existe uma tecnologia para plantar soja no país com produtividade de 250 sacas/ha. Pellizzer explica que essa inovação tecnológica visa aumentar a produtividade, não eliminar pessoas.

Caleffi diz que as demissões ou pedidos de demissões entre 2019 e 2020 caíram. “Em 2021, tivemos duas ou três demissões e eles nem foram na pecuária”, disse ele. Ela contou que, ao final, foi criado um sistema de feedback, alertas e conversas, que pararam uma prática comum: ser demitido por qualquer coisa e um grande número de pedidos de demissão. A ordem é investir em capital humano. “Pessoas que dirigem uma máquina antiga, pessoas que dirigem tratores, fizeram cursos de GPS, condução de máquinas e assim por diante. Ele diz. “É o desenvolvimento de pessoas que podem ganhar mais dinheiro e trazer mais crescimento para a cidade.”

Outros pilares sociais também estão sendo construídos: campanhas de saúde, como o Novembro Azul, cobriram 100% do custo do exame de próstata dos funcionários; dezembro vermelho, para prevenção de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis), com a compra de preservativos, e a de Câncer de Mama para as mulheres. “Cinco mulheres perceberam mudanças nos nódulos mamários e aqui nós corremos atrás”, disse Caleffi. A etapa seguinte é esquematizar a educação formal ao redor da Conforto e fazer investimento. “Gisele é uma pessoa motivada e capaz”, destacou Pellizzer sobre os projetos de RH em andamento.

Um deles é crescer o número de mulheres empregadas na fazenda. Atualmente, apenas 14 mulheres, um número muito pequeno. “Um dos compromissos é a agenda da diversidade na ESG”, disse Caleffi. Mas as transformações, embora discretas, se iniciaram. Por exemplo, no ano passado, pela primeira vez, foi contratada uma técnica zootécnica para a área de cuidado animal, campo dirigido geralmente por homens, e uma engenheira de produção assumirá a liderança no setor de ração. Ana Claudia Mendes, 25 anos e veterinária, foi contratada em 2019, logo depois da faculdade.

Ela contou em um vídeo postado no Instagram da Conforto no Dia Mundial da Mulher Rural, quando a Forbes também divulgou sua Lista das 100 Mulheres Poderosas no Agronegócio, que desde pequena sabe que quer trabalhar com animais, como boi e cavalos, e ela não teve problemas com a equipe quase toda masculina na Fazenda Conforto. “É um clichê, mas lugar de mulher é onde ela quiser estar”, disse Mendes. “Tive muitas dificuldades financeiras para me formar, mas cada dificuldade era um incentivo a mais para me formar e viver a vida que tenho hoje.”

Aliás, vídeos como este, também disponíveis em um canal do youtube, já fazem parte da agenda da equipe Conforto. Além dos relatos, também são usados ​​para demonstrar hábitos e histórias sobre integridade, relacionamento com parceiros, fornecedores, cuidados no campo. E ainda mais: as pessoas que passam na frente da câmera são escolhidas pela própria equipe como referência para o que vão dizer. Este ano, outro projeto estará em pauta e se chamará Programa Ideia Premiada. “É claro que existem métricas para medir a lucratividade, mas só pensamos em retribuir à comunidade”, disse Caleffi. “É uma visão do desenvolvimento social humano e, logicamente, o fim é econômico, e não pessoal para distrair essa força de trabalho”.